Entre a Promessa e o Poder: Uma reflexão sobre coerência e mudança em Ovar e Esmoriz

Permitam-me, antes de mais, um breve “mea culpa” por ter adiado o meu comentário sobre este tema. Reconheço que hesitar em abordar publicamente estas questões pode ser visto como falta de compromisso, mas quero deixar claro que a minha prioridade sempre foi, e continuará a ser, o futuro de Ovar e de Esmoriz, acima de qualquer interesse pessoal. O tempo de reflexão foi necessário, não para proteger posições, mas para garantir que cada palavra aqui dita serve genuinamente o bem comum e não agendas individuais.

No rescaldo das eleições, o povo vareiro viu‑se perante uma promessa de mudança, uma novidade anunciada como revulsiva. Surgiu o Movimento AGIR, com discurso firme, acusando os “velhos poderes”, prometendo auditorias e responsabilizações (tudo num tom de denunciação moral que encantou quem gosta de ver o poder desconfortável). Depois, sucede o desenrolar que revela o que sempre desconfiámos: a retórica era boa, mas os alicerces frágeis.

Porque o que agora se confirma é que, sob o manto de “alternativa”, o AGIR negociou e entrou (sim, entrou) no executivo camarário com o Partido Social Democrata. Uma coligação que contraria todo o discurso de rutura que apresentaram durante a campanha. Um movimento que dizia querer fiscalizar, auditar, mudar, termina por aceitar um lugar no poder. E como se sabe, ao entrar no poder, muitos dos slogans evaporam.

Mais grave ainda, fica o fedor da contrapartida privada: o cargo, o pelouro, a visibilidade… tudo o que se disse que não era para aquilo, afinal encaixa‑se. O que era “apenas polémica” sobre gestão, o que era “somos oposição para defender o povo” transforma‑se em “somos executivo para assinar decisões”. E deixa‑se a pergunta a pairar:

será que, durante a campanha, os interesses eram os dos cidadãos ou a ambição já se acendia por dentro?

Não posso deixar de saudar as vozes críticas que se levantaram dentro deste “movimento independente”. Fiéis aos seus princípios e à missão a que se viram dedicados até ao resultado destas eleições autárquicas, estas pessoas colocaram acima de toda esta dança de poder o que realmente importa: o interesse dos cidadãos. E é nesse interesse que muitos dos eleitos se demarcam da postura oficial que o AGIR agora adota e se mantêm fiéis à missão que os eleitores lhes confiaram, uma missão de oposição, de diálogo, de cumprimento daquilo que apregoaram durante toda a campanha eleitoral. A essas pessoas: os meus parabéns.

De facto, o povo de Ovar merecia outra postura. Merecia a coerência entre o que se dizia de alto e o que, na prática, se faz. Quando se falava de “alternativa”, “transparência”, “soerguimento da voz cidadã”, esperava‑se que isso fosse até ao fim. Em vez disso, tomou‑se a estrada rápida da conveniência. E, como bem disse outro comunicado:

“Quando se trai a transparência, trai‑se o povo. Quando se mente sobre a independência, perde‑se a honra.”

Deste modo, não estamos perante um simples jogo de cadeiras ou alianças legítimas. Estamos perante a erosão da confiança. O AGIR decidiu que o poder vale mais do que a promessa; que um pelouro vale mais do que uma palavra; que a mobilização do cidadão valerá enquanto servir de cartaz. E se assim for, o povo ficará a olhar. E a pergunta ficará: “E agora, para quem vão os eleitos trabalhar?”

Talvez o mais escandaloso não seja só o acordo em si, mas a rapidez com que se abandonou o discurso, e o que isso revela sobre a política em Ovar: não é a função que corrige a injustiça, é a sedução do poder que muda o discurso.

Esmoriz

No que toca a Esmoriz, assistimos ao improvável milagre de uma lista alternativa conquistar a presidência da mesa da assembleia, graças à somatória de votos do Partido Socialista (PS), Movimento 2030, AGIR e Chega, com o PS agora ao leme. Os eleitos não tardaram em rotular o episódio de “traição ao voto dos esmorizenses”, defendendo, com a convicção de quem nunca negociou nada, que “quem ganhou é que deve governar”. E, por absurdo que pareça, até subscrevo. Contudo, convém não esquecer que os mesmos esmorizenses também decidiram brindar o PSD com o dom do pluralismo, retirando-lhe o tapete felpudo da maioria absoluta e deixando à vista o incómodo terreno do diálogo. Um diálogo que, ironicamente, o próprio PSD diz ter praticado (e até o proclamou, sem corar, na posse oficial) com todas as forças políticas presentes. Mas, sejamos honestos, o que o PSD realmente desejava era perpetuar o seu tradicional “quero, posso e mando”, bem embrulhado naquela máxima de “ganhámos, logo mandamos”. Só que, para desgosto de quem acredita que democracia é apenas um rito formal, Esmoriz resolveu contrariar o guião: aqui, a democracia (esse incómodo obstáculo ao monopólio do poder) obrigou o PSD a conversar, negociar, a sair do pedestal do autoritarismo solitário. E vejam só, enquanto ditavam as regras sozinhos, as promessas eram muitas, já os resultados… esses, nem vê-los. Talvez, agora, com essa tão apregoada “verdade” (que, pelos vistos, só agora será experimentada em Esmoriz), alguma coisa aconteça. Ou não. Fica a dúvida no ar: será desta que as promessas deixam de ser promessas?

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