O culto da humildade que só serve para encolher
A falsa humildade é um daqueles truques sociais que se veste de virtude, mas cheira a medo. Não o medo saudável que nos alerta para perigos, mas aquele medo pequeno que se esconde atrás de um sorriso envergonhado, que baixa os olhos quando recebe um elogio, como quem pede desculpa por existir. É o gesto estudado de recusar mérito para parecer mais humano, mais próximo, mais simpático. Só que, no fundo, não passa de um disfarce conveniente que impede o mundo de ver quem realmente somos. É a máscara que evita o confronto com a inveja alheia e, ao mesmo tempo, a desculpa perfeita para nunca assumir grandeza.
Vivemos num país onde dizer que somos bons é quase um crime. É como se a qualidade tivesse de vir sempre embrulhada em auto-depreciação para não incomodar o vizinho do lado. É o velho fado português de desconfiar do sucesso, de olhar de soslaio para quem se atreve a destacar-se, de exigir humildade como quem exige silêncio. É como se houvesse uma quota de talento que todos pudessem tolerar, mas que não convém ultrapassar. Vai-se até ao limite do aceitável e depois trava-se para não ferir suscetibilidades. É um equilíbrio estranho, porque não é sustentado por valores autênticos, mas por um medo coletivo de lidar com a diferença.
E depois há a outra face da moeda. O culto da mediocridade, erguido à custa da falsa humildade. É quase irónico que, enquanto aplaudimos a modéstia forçada, vamos puxando para baixo quem se atreve a dizer a verdade sobre si mesmo. Cristiano Ronaldo diz que é o melhor e a conversa rapidamente se transforma numa discussão sobre arrogância. José Mourinho afirma que é um treinador de topo, um “special one”, e a crítica não fala da sua estratégia ou dos seus títulos, mas sim da sua falta de humildade. Como se reconhecer o próprio valor fosse uma afronta coletiva. Somos um país que admira os seus heróis, mas parece ter dificuldade em aceitar que o mérito e a confiança coexistam sem pedir desculpa. Preferimos um campeão que fale como se fosse um aprendiz, mesmo que isso seja uma mentira socialmente confortável.
O problema não está em quem se afirma, mas em quem não sabe lidar com afirmações. O incómodo não vem da arrogância, mas do espelho que ela segura. O problema é que esta cultura alimenta a promoção da mediocridade. Enquanto os verdadeiramente bons se retraem para não serem vistos como convencidos, outros ocupam o espaço com competências medíocres e grande habilidade para autopromoção. A falsa humildade, neste contexto, não é apenas uma questão individual, mas um mecanismo que mantém o talento escondido e dá palco a quem não ameaça o equilíbrio frágil das vaidades.
A ironia é que essa “proteção” social acaba por nos empobrecer a todos. Quando a excelência se cala, perdemos referências, modelos de ambição e inspiração. A humildade verdadeira não teme reconhecer o próprio valor. O que teme é a vaidade vazia. Mas confundir segurança com soberba, e coragem com petulância, é um erro que nos condena a uma paisagem onde o comum se apresenta como extraordinário, e o extraordinário se disfarça de comum para não parecer desajustado.
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