“Ó caralho! Ó caralho!”
(Joaquim Pessoa, Poema Temperamental)
Tenho um carro muito temperamental, sofre de uma angústia existencial que lhe provoca um sentimento de abandono, sempre que passo mais de 24 horas sem lhe dar à chave! É verdade! Este sentimento de abandono faz com que soluce de alegria sempre que, depois de mais de 24 horas sem o ver, lhe dou a volta à chave e o levo a passear à rua.
O problema é que, de tão temperamental que é, sempre que lhe volto a pegar ele recusa-se a andar… avança levemente, devagarinho, mesmo com o pé a fundo e as rotações no redline! E soluça… soluça… como uma criança a fazer queixinhas depois de uma birra, estão a ver o filme, certo?
Toda esta situação leva-me a um ritual sem igual! Faça chuva ou faça sol, o meu boguinhas (sim, chamo boguinhas ao meu carro, e?), como eu dizia, o meu boguinhas obriga-me a, pacientemente (’tá bem abelha!), encostar na berma, abrir o capôt, abrir o compartimento da bateria e desligar todo o sistema eléctrico, fazendo uma espécie de lobotomia que lhe faz um reset ao cérebro e o faz ronronar alegremente como se fosse a primeira vez que me vê! Juro que até abana a antena como se fosse um cachorro a abanar a cauda de alegria!
Este ritual de “desliga e sai e liga e desliga” acaba sempre por me dar a tediosa trabalheira de acertar todos os dados electrónicos no painel do rádio: data, hora e emissoras de rádio pré-sintonizadas! Foi neste trabalho, efémero a partir da próxima vez que o deixar na garagem 2 dias, que acabei por descobrir uma pequena pérola radiofónica, a Smooth FM. Há males que vêm por bem e, de facto, é uma agradável surpresa poder conduzir até casa ao som de uma boa música completamente alheada dos yéyéyés e nánánánás das playlists habituais!
Gostos radiofónicos à parte, este temperamento do meu carro leva-me a pensar também nas relações com os clientes. Os clientes são, muitas vezes, como o meu carro, se não lhes prestamos atenção suficiente, acabamos por ser obrigados a repetir todo o processo de conversão do visitante em cliente, com o agravante de estarmos, precisamente, a repetir o processo. Sempre se revelou mais difícil, e penoso, reconquistar um cliente. Há expectativas que foram goradas e há desconfianças que foram criadas, e tudo isto tem que ser trabalhado de forma a transmitir confiança. Não podemos abrir o “capôt” ao cliente e desligar-lhe as fichas, como eu faço ao meu carro, mas podemos tentar entrar-lhe na cabeça para compreender o que correu mal, o que faltou fazer, e tentar conquistar uma nova oportunidade para fazer mais e melhor.