Onde cabe a poesia?
Dizem-me algumas vezes, que a Poesia tem o seu lugar próprio, a sua envolvência, o seu “je ne sais quoi” que torna as coisas estranhas para as pessoas à sua volta. Nunca percebi porquê.
Onde cabe a Poesia? Em todo o lado, aos olhos de quem a vê, de quem a sente, cabe nas gotas de chuva que escorrem numa melancólica manhã de segunda-feira, cabe no olhar de uma criança, que brinca na beira da estrada, ou olha derretidamente para um doce, cabe no tórrido beijo de dois amantes, ou na força das ondas do mar contra um farol… A poesia cabe dentro de nós, da forma que nós deixarmos.
A foto do ano, para o World Press Photo de 2020 tem espaço para a poesia, e temo título de “Straight Voice”. O olhar atento de Yasuyoshi Chiba capturou a poesia em lugar estranho. A fotografia foi tirada no Sudão, durante uma manifestação contra o regime sudanês. Os militares tinham cortado a eletricidade em toda a redondeza, na tentativa de desmobilizar os protestos. Dizem que muitas vezes a fotografia encontra o fotógrafo, em vez do fotógrafo encontrar a fotografia. Este foi um dos casos. nas palavras de Yasuyoshi:
“Aquele sítio estava sob um blackout total. Inesperadamente, as pessoas começaram a bater palmas no escuro. Ergueram os telemóveis para iluminar um jovem que estava no meio deles. Recitou um famoso poema, de protesto, improvisado. Entre fôlegos, gritava-se “thaw’ra”, a palavra árabe para revolução. A sua expressão facial e a voz impressionaram-me, não conseguia parar de me focar nele e captei o momento”
Yasuyoshi Chiba
Os protestos no Sudão iniciaram em dezembro de 2018 e alastraram-se rapidamente por todo o país. Em abril de 2019 organizavam-se protestos junto a quarteis militares, na capital do país, Khartoum e exigia-se o fim do regime ditatorial de Omar al-Bashir, que dura há mais de 30 anos. a 11 de abril, al-Bashir foi derrubado por um golpe militar e foi estabelecido no país um governo militar, de transição. Os protestos continuaram, exigindo que o poder fosse entregue à população civil. A 3 de junho, forças governamentais abriram fogo sobre um grupo de protestantes desarmados. Muitas pessoas morreram e foram sujeitas a actos de violência. Três dias depois a União Africana suspendia o Sudão, cedendo à pressão internacional condenando o ataque. As autoridades sudanesas procuram desarmar os protestos, através de blackouts e bloqueios da internet. Os protestantes passaram a comunicar por SMS, passando a palavra de boca em boca e utilizando megafones, permitindo que a resistência continuasse. E\m agosto, o movimento pró-democracia obteve sucesso e conseguiu assinar um acordo de partilha de poder com os militares.
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